"Mesmo para os
descrentes há a pergunta duvidosa: e depois da morte? Mesmo para os descrentes
há o instante de desespero: que Deus me ajude. Neste mesmo instante estou
pedindo que Deus me ajude. Estou precisando. Precisando mais do que a força
humana. E estou precisando da minha própria força. Sou forte mas também sou
destrutiva. Autodestrutiva. E quem é autodestrutivo também destrói os outros.
Estou ferindo muita gente. E Deus tem que vir a mim, já que eu não tenho ido a
Ele. Venha, Deus, venha. Mesmo que eu não mereça, venha. Ou talvez os que menos
merecem precisem mais. Só uma coisa a favor de mim eu posso dizer: nunca feri
de propósito. E também me dói quando percebo que feri. Mas tantos defeitos
tenho. Sou inquieta, ciumenta, áspera, desesperançosa. Embora amor dentro de
mim eu tenha. Só que não sei usar amor: às vezes parecem farpas. Se tanto amor
dentro de mim recebi e continuo inquieta e infeliz, é porque preciso que Deus
venha. Venha antes que seja tarde demais." - Clarice Lispector
Me frustra não ter escrito isso, porque é como me olhar no espelho. Me alivia saber que não sou a única a me sentir assim. Me acalma constatar que a Clarice conseguiu ser conhecida e permitir com que seus textos chegassem a nós.