10 de set. de 2013

Dos desabafos que revelam as rachaduras

Começo aos poucos a entender em partes o que me estragou. Pensava, antes, que o erro de tudo, a falha do mundo, estava em não entender tudo e cada pormenor. Toda vírgula tinha que ter uma razão de ser além da “pausa para respirar”. A pausa para respirar, aliás, é um erro. Não existe a tal pausa, vocês sabem, né? Tudo é regra. Existe a sintaxe que exige a lógica, cobra o raciocínio dentro daquilo que, por vezes, é puro sentimento.
Me lembro muito bem quando comecei a ver os conteúdos do curso de Letras, quando pensei estar lá apenas pela Literatura e pela Língua Estrangeira (no caso, Francês, por motivo de Amélie Poulain) e não entender como permitiam Morfologia, Sintaxe ou Lexicologia da Língua Portuguesa. Eu achava isso o estupro da minha criatividade.
Naquele tempo, eu ainda não era tão excessivamente analítica e pouco queria saber de ser reflexiva. A mim, interessava apenas mergulhar fundo, ainda que o fundo fosse raso, e ainda que eu batesse minha cabeça com força e ficasse paraplégica. A ideia era viver o hoje e eu quase fui estúpida o suficiente para tatuar “carpe diem” em meus corpo (não seria no pé, nem no punho. Já falei que eu acho a tatuagem no pé uma das mais feias? Principalmente frases... Acho de um mal gosto... Se bem que eu tatuei meu lábio inferior, acho que não posso julgar muito, mas julgo).
Quando eu, após duras tentativas e incomensuráveis horas de estudos, entendi a lógica da língua, li os livros dos críticos literários, estudei os filósofos com os quais esbarrei na vida, me estraguei. O erro foi passar a tratar tudo como um cálculo matemático, fazendo questão da lógica, exigindo que a conta fechasse, analisando vírgulas, sujeitos e objetos. Foi com esse estudo que eu passei a desferir golpes em meus relacionamentos, porque as pessoas, amigos, elas não fazem o menor sentido.
Não digo isso para demonstrar qualquer superioridade, ao contrário, assumo o defeito de querer impor lógica à vida. Não sei quem disse por aí que “a vida não é pra ser pensada é pra ser vivida” e eu ressalto que essa pessoa tem razão. Eu pouco sei de viver a vida hoje em dia. Me preocupo muito e sempre em fazer sentido, em fazer a conta certa, com os números certos, mas eu sou uma droga em matemática.
A filosofia me estragou. Ou o mal uso dela, mas, sim, ela me estragou. É graças a ela que sempre tento entender o cerne de cada questão. Acabo por complicar tudo e todos, porque para mim, todo mundo precisa refletir muito antes de falar. Todo mundo precisa refletir para resolver todas as questões anteriores a mim, porque eu quero uma folha em branco pra mim. Não digo que não possa haver milhões de folhas escritas antes de mim, mas o MEU capítulo tem que vir em branco. Aqui está simplista demais. Perdoem minha incapacidade de traduzir o que quero dizer, porém o ponto é que após a filosofia adentrar meus poros, nada é como aparenta ser, tudo é mais complexo e profundo, e a viagem no meu barco é sempre para o alto-mar.
Os estudos literários, a semiologia, análise do discurso, me estragaram. Depois de tudo o que eu aprendi nesses cursos, eu nunca mais consegui ler apenas o texto, porque todo texto tem um subtexto e, na minha cabeça, o subtexto é o verdadeiro texto. As entrelinhas são as linhas. O velado é o real. Isso faz com que não consiga ter discussões saudáveis, porque meu cérebro trabalha automaticamente com as entrelinhas. O lado bacana é que eu dificilmente perco uma discussão, o lado ruim é que eu perco todo o resto.

Agora, com 28 anos, analisando todas as perdas, ganhos, dentes quebrados, hematomas e troféus, eu concluo que o que eu fiz de mim até hoje não foi meu melhor. Eu trabalho com o que tenho, com o que fiz, mas, se eu pudesse, faria tudo diferente. Faria tudo novo. Só não tiraria a Literatura e a Filosofia da minha porque somos uma coisa só.